Leitores contumazes desta coluna mensal sabem que venho defendendo há muito tempo a importância da temática da inteligência artificial (IA) não somente como o mais importante tema para os mercados financeiros, mas também para a conjuntura econômica. A inteligência artificial não é somente uma tecnologia disruptiva impactando alguns setores do mercado e da economia; hoje, ela virou a economia.
É salutar ver que outros comentaristas estão finalmente despertando para o tema, com uma avalanche de comentários recentes sobre IA (um exemplo: Ruchir Sharma, no Financial Times, “America is now one big bet on AI”, 06/10/25).
No entanto, a maioria desses comentários é pessimista: o resto da economia norte-americana está indo muito mal; IA é uma bolha prestes a explodir, e isso acontecendo teremos uma recessão – e o fim trágico do governo Trump (para a felicidade de muitos).
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Pessoalmente, me parece que muitos desses comentários são, em parte, uma tentativa de explicar o erro de previsão que a economia global ia implodir com o choque tarifário norte-americano de abril.
Mas vale a pena a discussão, que podemos colocar nos seguintes termos da última grande bolha tecnológica dos anos 90: estamos em um momento análogo a 1998 ou 1999?
Essa diferença de um ano na bolha da internet fez toda a diferença: o Nasdaq subiu 39,6% em 1998, mas 85,6% em 1999. Em seguida, o mercado implodiu em um violento crash em março de 2000.
Apesar dos maiores ganhos em 1999, era melhor e mais seguro estar em 1998 antes da aceleração final. Assim os pessimistas estão implicitamente argumentando que estamos hoje mais para 1999, e que em breve teremos um triste fim.
Os pessimistas estão errados
Acredito que os pessimistas estão errados. Há vários fatores sugerindo fortemente que estamos em um momento mais análogo a 1998.
O primeiro é o stress nos mercados de crédito e no setor bancário americano – e seus possíveis impactos sobre a política monetária americana.
Após a crise de 2008 e a falência da Lehman Brothers (com a Merril Lynch sendo comprada pelo Bank of America), o Fed e outros reguladores aumentaram significativamente a regulação sobre empréstimos bancários e a necessidade de capital, levando os bancos a restringirem a oferta de crédito.
Isso abriu espaço para o crescimento vertiginoso do private credit — crédito intermediado fora do sistema bancário.
O tamanho dessa modalidade é difícil de estimar, justamente por ser “privada”, mas acredita-se que gire em torno de US$ 3 trilhões, com crescimento de 50% nos últimos cinco anos. Não é pouca coisa.
Agora quem viveu a crise de 2008 vai notar várias semelhanças entre o private credit de hoje e o “shadow banking” daquela época.
O funding dessas operações vem de investidores institucionais – fundos de pensão e de seguro, family offices. Um dos instrumentos principais utilizados são “Business Development Companies”, ou BDCs. E muitos bancos oferecem linhas de crédito diretamente ou via suas divisões de asset management.
Não é difícil ver as semelhanças entre BDCs e CDOs da crise de 2008…
Vejamos como foi a bancarrota que começou essa onda de preocupações: a empresa de acessórios de carros First Brand, no montante de US$ 11,6 bilhões.
Durante anos, a First Brand vendia seus recebíveis ao mercado – operações de factoring. Um dos grandes compradores era um fundo, o “Point Bonita”, com US$ 715 milhões de exposição, gerido pelo banco de investimento Jeffries. Suas dívidas eram distribuídas para muitos fundos e bancos, com o UBS se destacando com uma exposição de US$ 500 milhões via seu fundo O’Connor.
Bom, enfrentando uma inesperada e vertiginosa crise de liquidez, a empresa declarou bancarrota e admitiu que US$ 2,3 bilhões “desapareceram do seu balanço”! O CEO da empresa se demitiu, e investigações – inclusive criminais – foram iniciadas.
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Inflexão negativa?
Mas todo esse tema não é mais uma prova que estamos em um possível momento de inflexão negativa?
Na verdade, não. Hoje o mercado acionário norte-americano não tem exposição relevante a esses setores com estresse financeiro, dada a concentração da temática da inteligência artificial. Mas na linha de “a bolsa não é economia”, esses setores são importantes para o Fed.
Sua recente decisão de cortar a taxa de juros pela segunda vez e a notícia do fim do quantitative tightening, ou QT – na qual o Fed diminui o tamanho do seu balanço de títulos – foi ofuscada por um Powell mais hawkish do que esperado na sua habitual conferência de imprensa, deixando claro que mais um corte em dezembro não era garantido – como muitos no mercado acreditam.
Com o stress na economia ex-IA e uma onda de demissões ligadas à IA (uma lista parcial: Amazon demitindo 14 mil, planejando cortes totais de 30 mil empregos; UPS demitindo 48 mil), a direção mais provável para a taxa de juros é para baixo.
Ponto para 1998: em setembro daquele ano o Fed cortou juros devido à crise da Rússia e a quase quebra do fundo LTCM. Esses eventos não tinham nada a ver com o setor da internet, mas ajudaram a “turbinar” os ganhos de 1999.
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Uma bolha na inteligência artificial?
Outro ponto importante é que os líderes da atual bolha ainda ostentam cashflow positivo, apesar dos largos investimentos em AI (a Oracle é a única exceção relevante a essa regra).
De fato, como aponta o JP Morgan em relatório recente, a posição financeira de todo o setor corporativo continua positiva, muito diferente daquilo visto nos últimos anos da bolha da internet.
No mesmo relatório, JP Morgan critica a noção comum de que os investidores estão demasiadamente posicionados na bolsa. Enquanto o investidor norte-americano tem uma exposição acima da média, a posição de investidores globais no mercado acionário ainda está longe de atingir os picos de 1999 – e de fato, estão mais próximos aos números de 1998.
Em resumo, estamos vivendo uma bolha tecnológica. Muitos investimentos serão mais direcionados, mas isso acontece em qualquer revolução tecnológica.
Diferente da bolha imobiliária de 2008, não há níveis excessivos de alavancagem nos setores mais próximos a essas tecnologias – ou na economia como um todo. As condições financeiras estão se afrouxando com chances concretas de o Fed retomar o QE em 2026. Valuations são altas, mas não irracionais.
Party like it’s 1998…
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